sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O operário no mar


O operário no mar 

Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão.
Sim, quem sabe se um dia o compreenderei? 


Interpretação :

Esse poema conta a trajetória de um operário que de acordo com a descrição, aparenta ser um homem sofrido, exausto por conta do trabalho pesado, com marcas no corpo, misterioso, mas determinado.É possível deduzir que há uma angústia tomando conta do operário pela forma que é descrito.
  Ele ( o operário ) anda em direção a um campo concentrado .  Não repara em nada ao seu redor , além da água que corre e do calor que faz adiante .
  Não há amizade entre o narrador e o operário . O narrador o observa , aparentemente , de um casa  a algo semelhante e deseja fazê-lo parar sua caminhada , nem que para isso tenha que implorar . Pela aflição do narrador , parece que o operário tem intenções de fazer algo ruim . Aos olhos do narrador , o operário não é puro , inocente e santo e até o mar tem medo dele , nem o exército o impediu de continuar sua caminhada , agora explícita , em direção ao mar
  Ele está cansado , pálido e confuso , mas sorri para o narrador , e esse sorriso atravessa tudo ( estão muito distantes um do outro ) e chega para beijar o rosto do narrado , trazendo esperança de compreender o operário
Com base nessa interpretação , é possível concluir que o operário era um homem triste sofrido . O narrador não o compreendia , mais não o odiava . Ao caminhar em direção ao mar, é suicídio , talvez . Ao sorrir em meio ao mar , pode-se ver em alivio , como de quem encontra solução para todos os problemas . Talvez esse poema seja um desabafo do autor , após sentir a dor de perder um filho.

(Alunos: Myke e Eduardo).

3 comentários:

  1. 1)Mais>mas!
    2)para entender a obra do Drummond precisa conhecer sua bibliografia. Logo não tem nada de perda de filho. Ele é mineiro da cidade pequena de Itabira. Quieto, calado, tímido. Veio para SP e RJ, viu de perto o governo getulista.
    3)O eu lírico vê o operário como um deus ou herói ('pensei que isso fosse privilégio de alguns santos... sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar').
    Todo o conhecimento que ele tem do operário está na literatura, jornais etc. Ele próprio é um escritor literario, logo também tematiza as angústia e explorações que fazem ao operário (época na história do Brasil que havia crescente industrialização nas cidades como SP e rj). Porém, apesar de escrever sobre os operários Drummond reconhece que pouco sabe de verdade sobre ele ('ele sabe que não é, nunca fomos irmaos') porque a realidade dele não é a mesma que a do operário. Por isso tem vontade de encará-lo, conhecê-lo. Mas vê a distância entre eles. Distância entre ele e o mar, do dia e o entardecer; a distancia social(metáforas).
    Há várias coisas que dá pra tirar desse texto mas com certeza não é essa linha de pensamento. Espero depois de anos tenha percebido isso...

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. É preciso, contornada a pedra no meio do caminho, ler comovidamente o poema (!) A morte do leiteiro; aí, então, viver todo o sentimento do mundo drummondiano deste O operário do mar...

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