quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte


Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte 
Eu sou a Moça-Fantasma 
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada. 
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro 
na madrugada da serra. 
Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria, 
Maria-Que-Morreu-Antes.

Sou a vossa namorada 
que morreu de apendicite, 
no desastre de automóvel 
ou suicidou-se na praia 
e seus cabelos ficaram 
longos na vossa lembrança. 
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca 
dizia de outros planetas 
em que os amantes se queimam 
num fogo casto e se tornam 
estrelas, sem irônia.
Morri sem ter tido tempo 
de ser vossa, como as outras. 
Não me conformo com isso, 
e quando as polícias dormem 
em mim e foi-a de mim, 
meu espectro itinerante 
desce a Serra do Curral, 
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas 
(Rua Cláudio Manuel da Costa), 
pára no Abrigo Ceará, 
nao há abrigo. Um perfume 
que não conheço me invade:

é o cheiro do vosso sono 
quente, doce, enrodilhado 
nos braços das espanholas. 
– Oh! deixai-me dormir convosco.

E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e cine beberam todo o uísque
existente no Brasil 
(agora dormem embriagados), 
espreito os Carros que passam 
com choferes que não suspeitam 
de minha brancura e fogem. 
Os tímidos guardas-civis, 
coitados! um quis me prender. 
Abri-lhe os braços... Incrédulo, 
me apalpou. Não tinha carne 
e por cima do vestido 
e por baixo do vestido 
era a mesma ausência branca, 
um só desespero branco...
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.

As moças que’ ainda estão vivas 
(hão de morrer, ficai certos) 
têm medo que eu apareça 
e lhes puxe a perna... Engano.
Eu fui moça, Serei moça
deserta, per omnia saecula.

Não quero saber de moças. 
Mas os moços me perturbam. 
Não sei como libertar-me.
Se o fantasma não sofresse, 
se eles ainda me gostassem 
e o espiritismo consentisse, 
mas eu sei que é proibido 
vós sois carne, eu sou vapor.

Um vapor que se dissolve 
quando o sol rompe na Serra.

Agora estou consolada, 
disse tu do que queria, 
subirei àquela nuvem, 
serei lâmina gelada, 
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna 
(estrelas não se compreendem), 
ninguém o compreenderá.

                    INTERPRETAÇÃO

Neste poema, Drummond aborda uma suposta lenda urbana e acaba citando um acidente de automóvel que acontece com uma moça, se localizava numa cidade de Belo Horizonte e a alma da moça vaga pelas rua da cidade mineira em busca de sua comunhão amorosa desconhecida .

(Alunos: Fernando e Cleber).

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